A eficácia da terapia manual em indivíduos cefaleicos portadores e não-portadores de degeneração cervical: análise de seis casos

No contexto das dores vivenciadas pelo ser humano, a cefaléia do tipo tensional é uma das que mais prevalecem, acometendo cerca de 90% da população em geral e, segundo Rabello, Forte e Galvão1, caracteriza-se como "qualquer dor referida no segmento cefálico". Vários autores2,3,4 apontam a cefaléia como a dor que mais prevalece em jovens trabalhadores, caracterizando-se como um importante problema de saúde pública com forte impacto socioeconômico. É muito comum, na prática clínica do fisioterapeuta, a necessidade de lidar com ocorrências de cefaléias, associadas ou não a dores referidas na coluna cervical. Hammill et al.5 verificaram que, nos casos de associação de ambos os sintomas, após o tratamento da cervicalgia, os pacientes relatavam que suas cefaléias tinham diminuído ou mesmo desaparecido. Em relação ao tipo de tratamento, é possível observar vários tipos de técnicas relatadas na literatura específica, tais como a eletroterapia6,7, a acupuntura8, a tração cervical e a cinesioterapia9 e tratamentos constituídos por alongamentos, relaxamentos musculares e mobilizações vertebrais5. Nesse contexto, o objetivo foi examinar a evolução de seis pacientes com diagnóstico de cefaléia, submetidos a um protocolo de tratamento fisioterapêutico de terapia física manual.

 

MATERIAL E MÉTODO

Pacientes

Foram observados seis pacientes (cinco mulheres e um homem), com idade entre 18 e 55 anos, com diagnóstico médico de cefaléia do tipo tensional, sendo que três deles apresentavam pelo menos uma das seguintes alterações na coluna cervical: presença de osteófitos, diminuição do espaço intervertebral, esclerose óssea subcondral e vértebra em cunha.

Os indivíduos que apresentaram tais alterações foram considerados portadores (IP) e os que não as apresentaram foram considerados não-portadores (INP). Os IPs tinham estas característica: IP1: 55 anos, hiperlordose cervical, dores de intensidade forte, mais de 23 anos na mesma profissão, presença de osteófitos, diminuição do espaço intervertebral e esclerose óssea; IP2: 18 anos, diminuição do perfil lordótico cervical, dores de intensidade forte, calcificação do espaço discal de C5-C6, estudante; IP3: 22 anos, diminuição do perfil lordótico cervical, dores de intensidade forte, osteófito posterior em C5, estudante. Em relação aos INPs, as características eram as seguintes: todos os indivíduos apresentaram lordoses cervicais normais, não havia pontos de degeneração articular, as dores eram de intensidade violenta (INP1), forte (INP2) e moderada (INP3) e, as idades eram as seguintes: INP1 tinha 22 anos, INP2, 20 anos e o INP3, 35 anos.

As alterações citadas bem como os perfis lordóticos foram identificados por um médico radiologista e um fisioterapeuta por meio de radiografia convencional. Da mesma forma, o diagnóstico de cefaléia do tipo tensional foi realizado por um médico neurologista de acordo com os critérios do Comitê Internacional de Cefaléias. Todos os participantes assinaram Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e o estudo foi desenvolvido e aprovado de acordo com o Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de São Carlos sob número 033/2002.

Tratamento

O protocolo de tratamento foi aplicado por um mesmo terapeuta durante um período de dez sessões, com freqüência de três vezes por semana e constou de: tração cervical manual; alongamento bilateral dos músculos trapézio superior, escaleno, elevador da escápula e esternocleidomastóideo; mobilização vertebral e massagem clássica nas regiões cervical, frontal, temporal e suboccipital. A tração cervical foi realizada com o paciente em decúbito dorsal e o terapeuta posicionado atrás de sua cabeça. O terapeuta realizava força de tração no sentido cranial por um período de 20 segundos, repetindo a manobra por cinco vezes. Os alongamentos foram realizados durante 20 segundos e com cinco repetições cada um, da seguinte maneira: a) o trapézio superior foi alongado com uma das mãos desenvolvendo força de tração cervical e a outra deprimindo o ombro ipsilateral; b) para o escaleno foi palpada a cabeça da primeira costela, imobilizando-a com uma das mãos, enquanto a outra realizava força de tração cervical; c) o elevador da escápula foi alongado, utilizando uma das mãos para fixar a inserção e a outra para realizar força de tração cervical e d) o esternocleidomastóideo foi alongado por meio da realização associada dos movimentos de extensão, inclinação e rotação do pescoço para o lado oposto ao que se queria alongar, enquanto que, com a outra mão, se realizava a fixação (no esterno). As mobilizações das vértebras cervicais foram realizadas da seguinte forma: foram localizadas as apófises transversas das vértebras cervicais; o terapeuta posicionou seus dedos indicadores sobre as apófises de C2; com os dedos posicionados, foi realizado o deslocamento desta vértebra no sentido ântero-posterior e, em seguida, o mesmo movimento foi executado nas demais vértebras.

Medidas

A intensidade de dor foi medida pela escala visual analógica (EVA) e o limiar de dor por pressão (LDP), por meio do algômetro de pressão analógico. Com o paciente sentado, avaliou-se, bilateralmente, o músculo trapézio superior direito e o esquerdo em um ponto marcado a nove cm lateralmente à apófise espinhosa de C7. A pressão foi aplicada com uma velocidade constante de 1 Kg/cm2/seg10. As medidas foram tomadas antes do início do tratamento para construção de uma Linha de Base Múltipla, e essa fase foi denominada de Fase A. Em seguida, as medidas foram tomadas nos dias em que o paciente era tratado (Fase B), logo após a sessão de tratamento. Após o final do tratamento, as variáveis continuaram sendo medidas por dez dias para efeito de seguimento.

 

RESULTADOS

Os pacientes apresentaram variações semelhantes, com curvas indicando redução da intensidade de dor ao longo do tratamento (Figura 1). Na Fase A, a intensidade dolorosa tanto nos IP como nos INP apresentou oscilações acentuadas. Na fase B, ocorreu, em todos os casos, redução desse sintoma para valores próximos a zero (sem dor). Em relação às medidas tomadas após o final do tratamento, com exceção do IP1, todos permaneceram sem dor. No que tange ao LDP (Figura 2) é possível observar, em todos os pacientes, um aumento gradativo do limiar desde a primeira sessão da Fase A até a última sessão do seguimento. Na Fase B, houve um incremento do LDP tanto para os IP como para os INP.

 

 

DISCUSSÃO

Houve dificuldade na remissão completa da sensação dolorosa nos INP, quando comparados com os IP. Os primeiros, principalmente o INP1 e o INP2 necessitaram das dez sessões para obter alívio completo da sensação dolorosa, e, no INP3, só se obteve esse alívio na quinta sessão de tratamento. Os IPs alcançaram remissão completa das dores na terceira sessão, exceto o IP1. Um aspecto que pode estar associado a essa ocorrência é que o INP1 e o INP2, na anamnese, descreveram suas dores como sendo de intensidade "violenta" e "forte", respectivamente, enquanto que o INP3 classificou sua dor como "moderada". Assim, a intensidade inicial da dor talvez tenha tido influência no resultado do tratamento. No que tange ao comportamento da dor do IP1, pode-se sugerir que o fato de esse indivíduo ter idade superior aos demais (55 anos) e ter relatado maior tempo de exposição a posturas inadequadas no ambiente de trabalho (23 anos) pode ter determinado maior resistência à remissão da dor. Como foi verificado, o tratamento foi eficaz no combate à cefaléia tensional dos IPs e dos INPs. Esse fato vem ao encontro do relato de Olson9 que demonstrou que o uso da tração cervical como recurso terapêutico é eficaz para alívio das cefaléias. Hammill et al.5 também demonstraram eficácia no alívio da dor de cabeça quando utilizaram um protocolo de tratamento baseado na massagem dos músculos da coluna cervical e dos ombros, além de alongamentos dos músculos escalenos, elevador da escápula e peitoral maior. O alongamento muscular pode induzir relaxamento pela estimulação dos órgãos tendinosos de Golgi. Complementarmente, a massagem tem a capacidade de gerar informações aferentes significativas mediante a estimulação direta dos mecanoceptores, promovendo a liberação de opióides endógenos no local massageado, além de aumentar a circulação local e remover os metabólitos da dor11,12. Os valores referentes ao LDP dos músculos trapézio superior direito e esquerdo foram superiores ao final do tratamento quando comparados aos valores do final do seguimento, provavelmente pelo fato da interrupção do tratamento. Segundo Ashina et al.13, a rigidez muscular e, conseqüentemente, a sensibilidade do músculo trapézio superior estão significativamente aumentadas tanto nos dias em que o paciente apresenta cefaléia quanto nos dias em que não apresenta o sintoma. De acordo com os resultados, o tratamento por meio de terapia manual foi eficiente no alívio da cefaléia e da tensão muscular nos casos observados, como verificado em outros estudos.

Carlsson et al.8 demonstraram que, nos pacientes com cefaléia, o tratamento fisioterápico (cinesioterapia associada à eletroterapia) foi mais eficaz que a acupuntura, e Torelli et al.14 conseguiram reduzir, de forma significativa, o número de dias com a sintomatologia nos pacientes que seguiram tratamento fisioterápico baseado em alongamentos e relaxamentos musculares. Da mesma forma, Ettekoven e Lucas15 relataram que a fisioterapia é efetiva, por tempo prolongado, no controle da cefaléia crônica. Por outro lado, segundo Lenssinck et al.16, experimentos com delineamento bem conduzidos por longo tempo de tratamento são necessários para fornecer evidência de que a fisioterapia pode ser efetiva no tratamento de indivíduos com CTT.

Em síntese, pode-se verificar que o protocolo de tratamento por terapia manual foi eficaz no alívio da cefaléia tensional e no aumento do limiar de dor por pressão dos indivíduos observados. Considerando as limitações do delineamento utilizado quanto à possibilidade de generalizações, o próximo passo deverá ser a aplicação do protocolo em amostra representativa e randomizada de indivíduos cefaleicos, preferencialmente com o desenho de ensaio clínico controlado.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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9. Olson VL. Whiplash-associated chronic headache treated with home cervical traction. Phys Ther. 1997;20(5):326-30.         [ Links ]

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14. Torelli P, Jensen R, Olesen J. Physioterapy for tension-type headache: a controlled study. Cephalalgia. 2004;24:29-36.         [ Links ]

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16. Lenssinck M L B, Damen L, Verhagen A P, Berger M Y, Passchier J, Koes B W. The effectiveness of physiotherapy and manipulation in patients with tension-type headache: a systematic review. Pain. 2004;112:381-8.         [ Links ]

 

 

Correspondência para:
José Rubens Rebelatto
Departamento de Fisioterapia, Universidade Federal de São Carlos
Rodovia Washington Luís, KM 235
CEP 13565-905, São Carlos, SP – Brasil
e-mail: rubens@power.ufscar.br



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