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Impacto da terapia manual visceral na melhora da qualidade de vida de pacientes com dor abdominal crônica




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  • INTRODUÇÃO

    A origem da dor abdominal é complexa e não há um único modelo de causalidade1. Várias causas orgânicas estão relacionadas à dor abdominal, sendo que, em muitos casos, a fisiopatologia está relacionada a processos infecciosos, inflamatórios ou distensão/obstrução de vísceras ocas, além de doenças parasitárias e constipação intestinal1,2.

    A constipação intestinal crônica funcional (CICF) é uma síndrome decorrente de distúrbios da motilidade enterocolônica, e apresenta elevada prevalência na população mundial, na faixa etária acima dos 40 anos com maior incidência no sexo feminino3-5.

    Alguns estudos6,7 têm demonstrado que a motilidade cecal ou do segmento ceco/ascendente pode estar relacionada às doenças funcionais do cólon, que se apresentam com constipação sendo a principal manifestação. Nesse contexto, a constipação é um problema muitas vezes negligenciado na prática da atenção primária e necessitam ser consideradas muitas causas possíveis e testes de diagnóstico apropriados8.

    Em clínicas de dor, as CICF são frequentes, pois se trata de um distúrbio comum em pacientes com câncer e com uso de fármacos opioides para tratamento da dor9.

    Diante disso, a qualidade de vida desse grupo é comprometida por causa da distensão abdominal e de suas consequências, caracterizadas regionalmente pela sensação de plenitude abdominal, dor contínua ou em pontadas, cólicas, desconforto psicológico, complacência retal aumentada e sensação diminuída de conteúdo retal e, não raramente com sintomas em outros segmentos do tronco, como no tórax, em que a expressão é a dor do tipo constritiva (síndrome do ângulo esplênico), do que pelo fato de sentir que seu intestino é apenas preso9,10.

    Nas clínicas de dor, existem variedades de intervenções11, entretanto, a efetividade da maioria destas não tem sido demonstrada e, consequentemente, o tratamento da dor varia amplamente. Porém, é consenso que cada caso deve ser individualizado e recursos variados podem ser capazes de permitir intervenção direta sobre a dor, incapacidade e qualidade de vida (QV). Dentre eles cita-se a terapia manual visceral (TMV) que vem evoluindo desde a antiguidade na Grécia, em 400 a.C., e Roma, em 110 d.C., e demonstra sua importância no tratamento de diversas síndromes12.

    O efeito da TMV é mecânico, auxiliando a movimentar "para frente" todo o conteúdo e alongando as musculaturas abdominais. Uma resposta reflexa à manipulação dos tecidos superficiais resulta na contração involuntária destes músculos. Essa estimulação aumenta o peristaltismo, ajuda a esvaziar o estômago, facilita as secreções glandulares, diminui o tempo de trânsito colônico e aumenta a frequência de evacuações. Também reduz o desconforto e a dor provocados pela constipação12,13.

    Assim, o presente estudo teve o objetivo de avaliar os efeitos da TMV em pacientes com CICF visando à diminuição do quadro álgico, a melhora das funções viscerais envolvidas e, o fortalecimento da musculatura de sustentação dos órgãos pélvicos. Logo, justifica-se este estudo pela necessidade de proporcionar alívio da dor e normalização das funções viscerais visando melhorar a QV desses pacientes.

     

    MÉTODO

    Trata-se de um ensaio clínico, de natureza experimental, apresentando pré e pós-avaliação, sem grupo controle. Os dados foram coletados entre janeiro e outubro de 2012 e, nesse período, foram incluídos 20 pacientes que preenchiam os critérios de pertencer à clínica da dor, inicialmente com queixa de alteração na função intestinal e restrição da mobilidade vertebral lombar. Os dados foram identificados através do formulário "Critério de Roma III"14, que auxilia na avaliação da constipação e a quantificar essa alteração por meios de critérios positivos e pontos. A avaliação consiste em o paciente apresentar dois ou mais desses critérios nos últimos seis meses, caracterizando a presença de constipação intestinal. O critério foi considerado positivo quando atingiu os pontos de corte mostrados a seguir: (1) esforço evacuatório em pelo menos 25% das defecações - resposta equivalente a "frequentemente" (pergunta A 2); (2) fezes endurecidas ou fragmentadas em pelo menos 25% das defecações - resposta equivalente a "frequentemente" (pergunta B 2); (3) sensação de evacuação incompleta em pelo menos 25% das defecações - resposta equivalente a "algumas vezes" (pergunta C 1); (4) sensação de obstrução/bloqueio anorretal em pelo menos 25% das defecações - resposta equivalente a "algumas vezes" (pergunta D 1); (5) manobras manuais para facilitar em pelo menos 25% das defecações - resposta equivalente a "algumas vezes" (pergunta E 1); e (6) menos que três evacuações por semana. Como critérios de exclusão estabeleceram-se pacientes do sexo feminino que estavam no período menstrual, apresentavam útero gravídico ou que estavam em tratamento de doenças de órgãos internos. Durante todo o tratamento não foi utilizado qualquer tipo de laxante para auxiliar na evacuação e não estavam em uso de opioides ou antidepressivos.

    Os indivíduos foram caracterizados através das variáveis: demográficas (sexo, idade); socioeconômicas (escolaridade); peso, circunferência abdominal, uso de laxantes anteriormente ao tratamento e prática regular de atividade física. Todos assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).

    Antes da realização da técnica, foi necessária a identificação de fatores intervenientes como espasmo do músculo íleopsoas; dor à palpação abdominal; encurtamentos e/ou contrações abdominais. A palpação do trajeto do músculo íleopsoas tem como finalidade a identificação de possíveis nódulos de tensão. Encontrando-se esses nódulos, procede-se com a liberação da musculatura antes de realizar a técnica visceral, uma vez que o espasmo dessa musculatura pode mascarar o quadro ou a diminuição da amplitude de movimento lombar. O procedimento da técnica TMV utilizada neste estudo obedeceu aos seguintes critérios: empurrar tangencial, realizado com a polpa digital, com pressão lenta e gradual, com 45° de inclinação dos dedos com deslizamento destes iniciando pela região do ceco, passando pelo cólon ascendente, em seguida flexura direita, cólon transverso, flexura esquerda, cólon descendente e sigmóide; sequência essa de movimentos repetida 15 vezes aproximadamente (Figura 1).

    Os indivíduos foram submetidos a nove sessões de 20 minutos, sendo realizadas três sessões semanais. Foi realizada uma avaliação na primeira e uma na última sessão. No início e término de cada sessão, foram realizados os testes de mobilidade lombar.

    Para avaliar a mobilidade lombar foram utilizados os testes de Schöber15 e o do terceiro dedo ao chão16 que consistem em que o paciente, estando em posição ortostática, realize uma flexão anterior de tronco. É medida a distância entre o terceiro dedo e o chão. O teste é considerado normal quando a variação entre a medida na posição neutra e a nova medida em flexão anterior de tronco for de cinco ou mais cm.

    Para avaliação da QV foi utilizado o questionário genérico SF-36 (Medical Outcomes Study 36 - Item Short-Form Health Survey)17, um questionário multidimensional de fácil administração e compreensão. Seu formato consiste em 36 itens divididos em oito domínios: capacidade funcional, aspectos físicos, dor, estado geral de saúde, vitalidade, aspectos sociais, aspectos emocionais e saúde mental. O escore final pode variar de zero a 100, sendo que zero corresponde ao pior e 100 ao melhor estado de saúde.

    Os resultados foram avaliados de forma comparativa entre os formulários iniciais e finais, respondidos pelos indivíduos. A análise estatística descritiva foi realizada pelo software "BioEstat 5.0" e a Análise de Variância utilizada foi "ANOVA".

    Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética Médica da Instituição (CEP 5719/2011- FAMERP).

     

    RESULTADOS

    A média de idade foi de 38,42 anos (mínima de 18 e máxima de 65 anos) e 79% (n = 15) eram do gênero feminino. Não houve perda amostral dos 20 indivíduos avaliados e submetidos às sessões de TVM (Tabela 1).

     

     

    Com relação à influência da TVM sob a QV dos indivíduos houve melhora estaticamente significante (p < 0,05) nos domínios vitalidade, capacidade funcional, dor e estado geral de saúde. As demais variáveis não apresentaram resultados estatisticamente significantes (Tabela 2).

    Considerando o número de critérios de Roma III positivos, as pontuações e a frequência de evacuações (p < 0,0003), todos os itens apontaram melhora estatisticamente significante, mostrando a eficácia da terapia (Gráfico 1).

     

     

    Houve redução da prevalência dos critérios de Roma III na reavaliação dos indivíduos da amostra estudada conforme a tabela 3.

    O teste de Schöber demonstrou um efeito estatisticamente positivo (p < 0,0001), ponderando que apenas um paciente manteve resultados iguais antes e depois do tratamento. O teste do terceiro dedo ao chão também se demonstrou positivo (p < 0,0001) quanto à influência da terapia no aumento da mobilidade lombar (Gráfico 2).

     

     

    A diferença para evacuar (resultado imediato na diminuição dos sintomas apresentados, facilitando a evacuação) foi relatada logo a partir da primeira sessão de tratamento.

    Entre as primeiras sessões, foram relatados flatulências, ânsia de vômitos, dor e vontade imediata de evacuar. Todos os sintomas também diminuíram até a 3ª sessão, verificado pelo questionário de QV SF-36.

    Foi ainda relatada a presença ou ausência de satisfação quanto à sensação de plenitude abdominal e facilidade para realizar o teste do dedo ao chão descrito verbalmente pelos pacientes durante as sessões.

     

    DISCUSSÃO

    Neste estudo observou-se a influência positiva do programa aplicado em relação às variáveis analisadas.

    Vários estudos18-20 corroboram estes resultados, que relacionam a terapia manual em região abdominal como benéfica e confirmam a viabilidade da aplicação dessa técnica no alívio dos sintomas em pacientes com dor crônica.

    Com relação à maior prevalência no gênero feminino, Oliveira21 considera que as lesões causadas à musculatura pélvica e sua inervação, provenientes de partos, cirurgias ginecológicas e prolapsos genitais podem ser fatores preditivos de ocorrência de CICF e consequentemente de dor. Entre a mulher jovem e a mulher após os 40 anos (menopausa), entende-se o comprometimento do assoalho pélvico e dos esfíncteres por mudanças anatômicas e fisiológicas.

    Quanto ao aumento gradativo da mobilidade e flexibilidade lombar, adquirida em cada sessão, outros trabalhos observaram influência positiva da TMDV, onde comprovaram a eficácia das manobras viscerais na melhora das funções intestinais, com apenas cinco sessões de aproximadamente 45 minutos19,22.

    Neste estudo a QV também melhorou em domínios do componente físico (capacidade funcional, dor e estado geral de saúde) e mental (vitalidade). Alguns autores23,24 destacam a redução da dor abdominal, o aumento do número de evacuações e da QV dos participantes no grupo massagem e sugerem que essa técnica poderia ser oferecida como uma opção em gestão da CICF.

    Poucos estudos contrapõem o presente estudo e relatam que a técnica não acrescenta diferenças significantes se não for administrado o uso constante de laxantes associados24,25. Portanto, recomendam-se novas pesquisas com o intuito de se comprovar a eficácia da terapia sobre os sintomas da CICF, na QV dos indivíduos e no aumento da mobilidade lombar, além de evidenciar sua real importância e vigor no tratamento, observando que a conscientização de que o individuo é o principal agente de promoção da saúde.

     

    CONCLUSÃO

    Os dados obtidos neste estudo, nas condições experimentais utilizadas, permitem concluir que a TMV proposta e aplicada nos indivíduos com dor abdominal crônica secundária à CICF foi capaz de melhorar a constipação intestinal e a mobilidade lombar, bem como a QV dos participantes. Estudos futuros devem ser conduzidos, visando à ampliação do tamanho da amostra e a compreensão da magnitude dos efeitos dessa técnica na QV desses sujeitos.

     

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    POR

    Barbara Borges FerrazI;
    Marielza R. Ismael MartinsII;
    Marcos Henrique Dall'Aglio Foss


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